Opinião

Os talibãs da cultura

TIAGO IVO CRUZ
O Governo desvincula-se de toda e qualquer responsabilidade no investimento do sector cultural. Por muito fracos e idiotas que fossem os anteriores...

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Quando a cultura é um privilégio raro
Terça, 20 Março 2012 12:41

Nos últimos 10 anos o investimento público na Cultura caiu 75% e o Estado central não gasta agora mais do que uns ridículos 0, 1% do PIB na Cultura. Simultaneamente as autarquias diminuíram os apoios, as empresas cortaram até nos apoios em géneros e o público tem cada vez menos capacidade de pagar bilhetes. Sucedem-se cancelamentos de produções, despedimentos, cortes de salários, salas vazias e agendas culturais quase inexistentes.
A 27 de Março, um pouco por todo o país, vivemos um Dia Mundial do Teatro em que as “conversas sobre” e as “leituras de” substituíram tantas vezes os espetáculos, porque fazer e ver teatro é cada vez mais um privilégio raro.

Quando a cultura é um privilégio raro a democracia não existe. Quando o conhecimento, a reflexão, a inquietação que a criação artística e o património cultural nos trazem são negados, ou só existem às vezes ou para alguns, somos menos gente e menos país, temos menos futuro. E ficamos mais pobres, qualquer que seja a medida usada. Mesmo a economicista: com um investimento na ordem dos 0,3% do PIB, o setor cultural, em 2006, gerou 2,8% do PIB e garantiu mais de 120 mil empregos.

Diz o Governo, e a maioria PSD -CDS que o apoia, que é preciso “libertar as artes do Estado”. Como se nas opções do “mercado” estivesse liberdade. Como se políticas públicas para a Cultura, numa democracia, pudessem ser confundidas com cultura do regime. Diz também o Governo, e já dizia a anterior Ministra da Cultura, que é preciso acabar com a subsidiodependência. Como se não fosse o Estado dependente de quem cria para cumprir o imperativo constitucional de garantir o acesso à cultura.

O Secretário de Estado da Cultura vai dizendo que se faz o que se pode. Que está a tentar. Agora está mal, amanhã estará pior, mas o Governo continua a tentar. A tentar sobretudo que, com a promessa de um investimento que não vem, a contestação se vá adiando. Até estar tudo tão frágil, tão despedaçado, que já nem exista quem possa falar. Mas engana-se; já não é possível esconder a natureza deste Governo e a sua estratégia para a Cultura.

É o Governo que assinou o ACTA, o acordo internacional que ataca os direitos de todos e de cada um para proteger a propriedade intelectual das grandes corporações multinacionais do audiovisual e entretenimento, que diz que em Portugal os agentes culturais devem viver do mercado. É o Governo que protege os grandes grupos económicos nacionais e internacionais (pelo ACTA, sim, mas também no equivalente a cerca de 50 anos de investimento em cultura no buraco BPN, ou no equivalente a um ano de Teatro Nacional na mesada extra de um só mês da Lusoponte), que se insurge contra a “subsiodependência” da cultura.

Nada disto são acasos. São opções deliberadas de quem sabe que a Cultura é a arma do desassossego e quer um povo sossegado. É por isso tão importante que no Dia Mundial do Teatro vozes corajosas de quem tem a arte como profissão se tenham juntado para denunciar a asfixia deliberada da voz de um povo. Porque o teatro é a mais subversiva das artes: 50, 100 ou 500 pessoas numa sala a ouvir e a ver ao vivo e em conjunto uma qualquer visão da vida, com língua, cheiro e local e sem comentadores no fim para nos “explicar” como pensar.

Por CATARINA MARTINS, atriz e deputada

 
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