Opinião

Os talibãs da cultura

TIAGO IVO CRUZ
O Governo desvincula-se de toda e qualquer responsabilidade no investimento do sector cultural. Por muito fracos e idiotas que fossem os anteriores...

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Os talibãs da cultura
Quarta, 30 Maio 2012 16:12

O Governo desvincula-se de toda e qualquer responsabilidade no investimento do sector cultural. Por muito fracos e idiotas que fossem os anteriores governos na área cultural havia pelo menos uma segurança que protegia o setor de alguns ataques, a vergonha. Uma vergonha intelectual de não perceber muito do assunto, o que resultava normalmente em decisões pouco esclarecidas mas pelo menos obrigava a tutela a ter alguma responsabilidade e cuidado. Algum cuidado em não dizer parvoíces, em respeitar o trabalho de criação artística, mesmo aquele que não entendiam.

Com este governo esse frágil véu de respeito foi completamente obliterado. Se alguma dúvida havia ainda sobre o fervor ideológico de Passos Coelho para uma Cultura de terra queimada as declarações desta segunda feira são claras: “o valor da Cultura não se mede pelo montante da sua conta no Orçamento do Estado” e “os domínios do espírito e da criatividade não pertencem a ninguém, certamente não ao Estado”. Ou seja, o Governo desvincula-se de toda e qualquer responsabilidade no investimento do sector cultural. E mais, as artes como prática profissional não têm lugar sob o seu governo, o que é valorizado são os amadores que pintam nos tempos livres, que escrevem durante a noite ou quando desempregados, imagino como forma salutar de enganar a fome.
Passos Coelho recusa a evidência que a criatividade só existe sustentada por uma infraestrutura forte e profissional, complexa, que busca sinergias porque há uma tutela que lhe garante que pode arriscar por novos caminhos, apostar em novos conteúdos, alguns destinados ao fracasso outros ao sucesso. A Agenda Europeia para a Cultura Num Mundo Globalizado tem toda a pertinência em países do norte europeu, onde o investimento público no sector se tornou um adquirido que o torna capaz de arriscar por políticas da criatividade e economia do conhecimento. Em Londres, seja qual for o sucesso criativo, os agentes culturais podem ter a certeza de que os principais teatros não deixam de programar, de que os museus não deixam de comprar às galerias, de que os festivais não desaparecem.
Em Portugal, as artes do espetáculo, a área em que mais se investiu nos últimos trinta anos e que criou um tecido de criadores admirável na sua excelência, deve colapsar porque não tem direito a existir. É que não é apenas a decisão política de não investir no sector, de todos aquele com mais retorno económico imediato e produtivo, é o insulto e humilhação de um dirigente instituir que nesta sociedade os artistas profissionais não têm lugar. É um insulto político, ideológico, profissional, intelectual e, ainda por cima, um tremendo erro económico. Se não querem dar nada pelo menos tenham vergonha e fiquem calados.

Por Tiago Ivo Cruz, Programador Cultural

 
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